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ANGELA DE QUEIROZ

I. Sobre o autor

Contatos com o autor pelo e-mail angeladequeiroz@bol.com.br


II. Suas Obras


Entre Amigos

O dia enfim terminara. O sol buscava no horizonte seu lugar dando vez à noite. Horário em que costumeiramente nos reuníamos para a happy hour do dia. O boteco ficava numa esquina movimentada do centro da cidade. Boteco era a expressão que usávamos para qualificar o bar da dona Nina – como era carinhosamente chamada dona Leontina, uma simpática nordestina, que sempre que nos ouvia chamar seu seleto estabelecimento de boteco, imediatamente reagia furiosa dizendo que “boteco era onde trabalhava a vovozinha”.

Já chegávamos provocando dona Nina – mais pelo hábito do que pela graça – que em seguida nos servia uma pequena dose da inigualável cachaça “importada” da terrinha, o que vinha inevitavelmente acompanhada de “com os cumprimentos da vovozinha”, tudo no mais amável tom de brincadeira. Raramente ela nos cobrava esta primeira dose, talvez para não perder o freguês, mas isto não aconteceria, pois se tratava sempre de brincadeiras entre amigos.

Os freqüentadores do boteco eram os comerciantes, bancários, advogados e outros mais que trabalhavam – e também os aposentados – que circulavam naquela região. Parecia que todos passavam por ali por alguns momentos antes de ir para casa jantar com a família.

Apesar de movimentada em termos de quantidade de pessoas que por ali circulavam, aquela era uma esquina tranqüila, no sentido de ocorrências policiais. No entanto como “para tudo na vida há uma primeira vez”, aquela tarde foi nossa primeira vez de enfrentar uma situação de violência no boteco da dona Nina.

Entrou no bar uma desconhecida. Uma moça bonita, aparentando não mais que trinta anos de idade, olhos esbugalhados num misto de aflição e terror. Percebia-se que estava bem vestida embora suas roupas tivessem alguns pedaços esgarçados e sujos – sinais visíveis de luta corporal.

Assim que entrou a jovem logo foi perguntando a dona Nina se ali havia algum advogado. Ela parecia tão aflita que dona Nina chegou a lhe oferecer um copo d’água ou uma outra bebida qualquer para que se acalmasse antes de responder, quando a moça recusou, ela disse:

- O Dr. Otávio está ali – apontando em minha direção.

Estávamos, eu e alguns amigos numa mesa no canto esquerdo do salão. Estava absorto, ouvindo ou contando algum acontecimento do dia, não sei ao certo.

- O senhor é advogado?

Voltei-me para ela ao perceber que era comigo que falava. E ali bem na minha frente via a jovem com o braço estendido, tendo à mão um revolver apontado para mim.

Fiquei parado um instante digerindo aquelas palavras. Confesso ter pensado que era minha hora. A vida passou diante de mim como um filme. Num piscar de olhos revivi minha vida da infância até aquele dia. Pensei em meus filhos, minha esposa, meu trabalho, meus amigos. Aquilo não era justo, não agora, às vésperas de desfrutar a aposentadoria e a “melhor idade”.

Morrer de forma violenta dentro de um bar!! Isso seria um prato cheio para inimigos, vizinhos e fofoqueiros de plantão.

Presentes no velório jurarão que eu morri bêbado e em más companhias. Totalmente ignorantes de que se tratava de uma inofensiva reunião entre amigos. Quase posso ouvir minha sogra dizendo: “É isso que dá. Onde já se viu ficar em bar?!” Outros dizendo “ele era tão bom”, “morreu tão jovem, que pena..., mas... a vida é assim mesmo, os bons vão primeiro”.

Minha viúva, já sem lagrimas ao lado do caixão dizendo uma frase qualquer tirada de um livro de poemas. E eu ali rígido, frio, imóvel.

Recobrando a consciência respondi a minha interlocutora com a voz saída só Deus sabe de onde – “sim, sou”.

Desmoronando a minha frente, ela meigamente me entregou a arma. Disse que havia acabado de assassinar um homem que tentara abusar dela com todos os tiros que aquele revólver pôde dar – revólver, aliás, do próprio agressor, nem me perguntem como ela conseguiu tira-lo da mão dele, isto até hoje é um mistério para mim, embora depois ela tenha me contado os pormenores – o fato ocorrera num galpão abandonado localizado no final daquela mesma rua. Todos – que como eu estavam petrificados – começaram a se mover quando a moça desandou a chorar e com a voz embargada me pediu que a acompanhasse à delegacia de polícia, para se entregar, mas não queria ir sozinha, mas acompanhada de um advogado.